“Nolite te bastardes carborundorum”
Essa é uma frase presente na icônica obra de Margareth Atwood, “O conto da Aia”. Tecnicamente não significa nada, mas a autora usa um personagem para contar o que ela pretendia comunicar: “Não deixe os bastardos te oprimirem”
Pessoalmente tenho minhas dificuldades em acessar raiva, indignação, sem implodir. Mesmo que minha agressividade por vezes “vaze” em uma espécie de mal humor, sua força tende a ficar retida me consumindo por dentro. Ao invés de gritar, me deprimo.
Tenho sentido muita raiva nesses últimos dias, e percebi minha retração, especialmente nas redes sociais. Isso tem uma funcionalidade, é claro. Mas também estou buscando as minhas maneiras de aplicar essa energia e esse texto talvez seja uma tentativa.
A não ser que você esteja completamente desconectado dos fatos recentes, você deve imaginar a que se refere o que sinto. Minha raiva não é com a vida, sua imprevisibilidade e fatalidades. A minha raiva é com a nossa escolha em vivermos como opressores uns dos outros, tornando a tarefa de existir cada vez mais penosa. Minha raiva é com a nossa incapacidade de pensar em saídas coletivas. Minha raiva é saber que há meios de enfrentar a catástrofe social que estamos vivendo, mas que por escolhas de poucos, não foram empenhados. E isso é política. A minha raiva é política.
Não existe saúde mental individual. Nós não existimos descolados das relações, do ambiente. Nosso adoecimento é uma reação a uma situação disfuncional, e não a disfunção em si. E para mim só faz sentido estar aqui falando desse tema incluindo a dimensão política. Se pretendo comunicar as possibilidades de cuidado, validar o sofrimento na totalidade em que ele acontece é certamente meu papel também.
Na adaptação para TV do livro que citei assisti a destruição emocional de uma personagem violentamente oprimida, que encontra um sentido de sobrevivência existencial ao ler essa frase deixada escondida. Muitas vezes o cuidado emocional que precisamos é a resistência. Se informe, escolha suas pautas, se engaje, lute e resista. Isso tbm é cuidar da sua saúde mental.